Rio de Janeiro, Ballardianismo Aplicado na periferia do capital e Música-Pop negociada nos limites da precariedade

" O video de Dubai é minha última afirmação. Projeto cancelado. Minha missão no Golfo acabou. Por sinal, eu recomendo que você se mate. Quero dizer, faça uma cena. É catártico. Vai mudar sua vida. Você vai retornar para o mundo, como um fantasma. Sua perspectiva vai mudar. Porque alguém está observando você agora, sem dúvida. Sempre. O Golfo têm olhos. É assim que as coisas são. Olhe ao redor. Você não pode ver? O ar está tão parado. Não há nenhuma escolha. Saia dos trilhos, da rede. O conhecimento vem com a libertação da morte."
Uma frota de ônibus de 2 andares em um gigantesco estacionamento; que preserva ruínas, como que monumentos de suas outras funções, chaminés de fábricas, torres de guarda, azulejos nos poucos muros que sobraram. Em grupos dispersos pessoas se aproximam de um galpão enorme, feito de modo barato e rápido, e se agrupam em filas, tudo parece tão clandestino, ninguém parece estar no controle, todo mundo parece confuso e até desesperado, de pé em filas como imigrantes. Encontramos nosso ônibus, vamos para o Rio de Janeiro. Não-lugares são caros ao capitalismo de fim de mundo, é onde pode-se expandir para sempre, onde tudo é transitório. Estacionamentos, certamente, mas também estradas, terminais de aeroportos, quarto de hotéis e principalmente as praias do Rio de Janeiro, um lugar mágico onde as mercadorias andam até nós que nos mantemos parados. A praia, a fuga do trabalho, é hoje onde o capital se reproduz melhor, o inferno, produzindo carência artificial, morte exuberante. Nenhum preço é fixo, não há endereço que não seja também uma velocidade.

Uma noite mal dormida, muito tempo vadiando esperando a hora do check-in, guardamos as coisas, descemos para ir a praia, hoje não vai ter gravação. Somos assaltados indo ver aquela igreja horrorosa, (é um mau gosto simplesmente abissal), isso faz parte de uma viagem, tudo de repente se dobra em violência sem sentido, escapamos ilesos porém Gabriella perdeu a câmera e eu meu celular. (o que é até bom). Tudo é mais caro no Rio. Estamos em Santa Teresa, bem no alto. Ondas de assaltos com fuzis e trocas tiros, viaturas policiais com armamento de guerra, sobre isso se desenrola uma vida normal de trabalho, barzinho, cultura e romances, essa violência também geram aterros, funcionamentos artificiais, uma paranoia homicida de classe média. A partir dai eu e André gravamos quase todos os dias, eles passaram bem rápido de 20 a 26 de janeiro. 4 faixas levantadas. O resto da viagem, até o dia 30, passamos apenas eu e Gabriella, ou seja no estúdio estamos apenas eu Thiago Nassif, nosso produtor, levantamos mais uma música, levantamos e finalizamos uma vinheta. Ah, e uma espécie de jam construída um instrumento de cada vez, não sabemos o que vamos fazer com ela, uma parada meio Karen Cooper Complex. (Ou seja, fica a meu encargo escrever aquelas letras malucas minhas. Aceito minha sentença, com um ligeiro pavor de que nada me ocorra.)

No meio desse trabalho desassociei várias vezes (quem eu sou? quem são essas pessoas ao meu redor? eu não reconheço esse quarto, nem essa vista), me vi estatelado contra uma vidraça fria conforme as emoções mais pequenas e mesquinhas escorriam pelas minhas veias, assustado, profundamente envergonhado, seguindo a desgraçada trilha até o fim, cantei rima depois de rima e bati a testa nas paredes conforme corria de olhos fechados. Abestalhado. Me ocorre que música não é algo feito para ser gravado, por isso todos esses problemas. Sem objetivos reais, esperanças ou planejamentos, quero só que tudo termine, esse lento descer da guilhotina, todo gesto vivo do material mumificado na gravação. Ah, o ódio inescrutável à minha voz, porque não articulo melhor as palavras, ou se articulo parece tão forçada, assim como um esforço em vocalizar o que poderia ser simplesmente falado. Dá pra perceber que eu estou fingindo. Gostaria que fosse tudo concreto, direto, simples, engraçado e sedutor, mas no fim as coisas apontam para um inefável, belas merdas, to cansado desse papo de religião, dessa grosseria rebarbativa. Quero algo divertido e não lacônico, Farme&Hixizine tem que ser visto pelo que é: motivo de piada. Durmo de tarde um dia e acordo determinado a fazer uma espécie de canção free-form punk sobre roubar a terra dos parques públicos pela simples eroticidade de fazê-lo, chamaria ela de "Viva Lenin", a terra seria usada para a construção de pirâmides sacrificiais alocadas nas intersecções das principais vias da cidade. Não vai ser tão em breve, sinto. 

Escrevo isso agora que estou em São Paulo, aqui a violência parece que não vai me dissolver, me roubar e me escandir sobre suas dimensões de cidade-paisagem, cidade-sonho-impossível. Pego a baldeação do metro e presencio confusão, estava com saudades de casa, cerca de 20 jovens estão batendo boca com 4 seguranças truculentos, aqueles tipos novos da linha 4 amarelas, milícias do shopping. Os jovens estão todos vestidos de preto e estão voltando de (ou indo para) uma rave, o erro seria achar que a violência é necessariamente politizada, que esse confronto apresenta algum tipo de solução...  Não que não seja algo para ser incentivado, mas é justamente pra ter o controle dessa situação que disputamos a mente dos jovens no terreno deles — música-pop. Incentivar a confusão, tensionar o ralo tecido social. 

Dia 28 de janeiro avistei um OVNI, chamei Gabriella para vê-lo comigo, sumiu, e então reapereceu, comecei a filmar, um ponto vermelhos que de repente se dividia em outros pontos que pareciam voar acompanham esse ponto principal, como sua cauda ou rastro, então uma serie de pequenas explosões luminosas acontecem entre o chão e o pontos vermelhos que se degradam em azul e verde, as explosões (que são inaudíveis) parecem surgir do solo e se direcionar até o ponto maestro. Isso tudo acontece e acaba ainda mais uma vez então o ponto vermelho parece terminar de subir e se separa em um ponto azul e outro vermelho e rumam cada um em direções opostas. Lemos então a teoria de Tarkosvky sobre OVNIs, procurei por "luzes no céu Rio de Janeiro" no YouTube e pelo menos dois videos onde exatamente o mesmo fenômeno podia ser visto, além disso na sessão de comentários há pessoas que relatam terem vivido experiências exatamente iguais a minha. Muitas outras porém dizem se tratar de um balão de fogos, com certeza um balão de fogos (que ao que tudo indica é um balão carregado com uma caralhada de fogos) é algo que apenas o microcosmos carioca poderia criar. Bom, um balão de fogos não seria nenhum pouco menos alienígena, pois Ballard corrigindo o pousadismo derrotista, nos lembra que: sim a solução é necessariamente alienígena (ou alienante), mas " o planeta mais alienígena que há é a Terra." No entanto a hipótese do balão parece não satisfazer minhas inquietações, o que senti, o desarranjo psíquico.





"Eu me lembrei do grande cineasta Andrei Tarkovsky, que em seu diário transcreveu uma observação do filósofo da Renascença Montaigne.'Nós não nos movemos em uma direção,' disse Montaigne, 'ao invés disso nós vagamos para frente e para trás, virando hora nessa direção e hora naquela. Nós voltamos nas nossas próprias trilhas.'Montaigne serviu de suporte para a teoria que Tarkovsky estava desenvolvendo sobre OVNIs: que ao invés de apontar para vida extra-terrestre, o fenômeno revela uma crise no eu. 'Esse pensamento de Montaigne,' ele explica, 'me lembra de algo que eu pensava em conexão com discos voadores, humanóides e os resto de tecnologias inacreditavelmente avançadas encontradas em ruínas antigas. Eles escrevem sobre aliens, mas eu penso que nesse fenômeno nós estamos na verdade confrontando nós mesmo; que é nosso futuro, nossos descendentes que em realidade estão viajando no tempo.'"


Escrevi o seguinte, no mesmo dia em que avistei as luzes no céu: 
"Um estranho entre-lugar na Terra onde se passa as noite observando o céu. Primeiro tentamos explicações mais mundanas, porém já bastante estapafúrdias (teste de novas armas militares na guerra interna contra as facções criminosas, drones israelistas? ). O que está exposto não é que vivemos em uma simulação em oposição ao real, mas que o real só pode existir enquanto simulação. OVNIs são o lampejo de uma história universal sobre a particular. Tem que haver algo para além da história, não é? OVNIs são utopias descarnadas. A cresça no extraterrestre hoje disputa espaço com uma serie de delírios anti-modernidade, o terraplanismo, a segunda comunidade que mais cresce no Brasil." 



(os dois primeiros excertos foram retirados do livro Applied Ballardianism, de Simon Sellars, traduções minhas)

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