SECRETARIA ESPECIAL DE FICÇÃO CIENTÍFICA, O QUE ACONTECEU COM ROBERTO ALVIM, OU PORQUE EU QUERO MEU DINHEIRO DE VOLTA (NÃO FOI POR ESSA SIMULAÇÃO QUE EU PAGUEI)



17/01/2020  ALVIM E O HOMEM NO CASTELO ALTO
Hoje o Secretário Especial de Cultura foi demitido porque pegou mal ele ter reencenado os pronunciamentos de Goebbels no video do novo edital do governo Bolsonaro, parece que eles não estão nem tentando… Depois do ano 1 ficou claro que as investidas e desinvestidas do governo são propositais, mesmo a incompetência e despreparo são propositais, ainda assim o que parece é que Herr Alvim realmente foi tomado por um furor incontrolável.  Para nós aqui, olhando as coisas de dentro da Caetanosfera parece ridículo isso de uma arte de direita, as “bandas de rock patriotas” que a ditadura promovia eram só uma sátira triste, o que não conseguimos ver é que: 1 nós somos parte do problema 2 a arte de direita tem a dianteira hoje, ou seja nós temos lição de casa pra fazer. Pelo menos é isso que eu sinto na batalha pelos corações e mente dos jovens que é a música pop, quando que as coisas passaram a ser assim e por quê? Isso é preciso ser esclarecido, porque elas também poderiam ser diferentes. 
“Em uma identificação quase sem lacunas com o capital suicida, sem promessas, sem futuro, pura ameaça, esse novo homem abre o peito e exige: “cumpra-se!”. “ Escreveu Silvia Viana, com sua precisão invejável, no texto Acabou!. Pois bem, o novo homem precisa de uma nova cultura, que mesmo que pareça um ultrapassado classicismo burguês, é muito mais um demoníaco kisch pós-moderno, que estabelece novas formas e novos funcionamentos para estas formas, o que acontece no Brasil é radicalmente contemporâneo, não um retrocesso. O show de Kayne West no aniversário de São Paulo faz parte dessa movimentação, uma pena que não rolou. E o disco é uma obra importante se a gente quer entender o que que tá acontecendo, o Sunday Service poderia muito bem ser a obra de arte total que o Alvim queria, se ele é bom ou é ruim, se é “de direita” ou “de esquerda”… eu não saberia dizer, se tivesse que me expressar acho que o disco é bom. Odiosamente bom. JESUS IS KING.
A gente é muito bundão, eles tem a dianteira porque a Caetanosfera é bundona. Mas da onde ela veio? se consolidou quando o PT transformou a tropicália num programa cultural? Ou era um cada vez mais estreito horizonte cultural, que começou um grande sonho de abertura e realização. A gente é bundão porque participamos sim do processo de normalização do estado de sítio e participamos disso quando a gente se acreditava exercendo nossa liberdade. A gente ganhou editais, a gente se expressou bastante, a gente investiu o dim de papai e mamãe, seja em documentários reconhecidos pela academia, discos, livros, e catarses, e o escambau, e dale projeto de inserção  social. A Caetanosfera está doente, está em crise e quer que a gente ajude ela e a gente vai lá e ajuda!

18/01/2020 REGINA DUARTE .
Acho que Alvim não simplesmente se equivocou e revelou um governo fascistas, o recado está dado para os que continuam fiéis ao bolsonarismo não importa o quê, um terço da população segundo as pesquisas (raramente o número  dos que achavam o governo bom e ótimo ficou abaixo dos 30%). Eles não tem real interesse em óperas, esculturas, exposições, contos. Há um filme tcheko chamado A Fulga do Cinema da Liberdade, começa com um monólogo onde o censor explica seu trabalho: "a censura é uma forma de arte". A censura é tanto uma forma de arte que se organizou um festival ao redor das obras de arte censuradas/desprestigiadas por Bolsonaro, espero que os organizadores tenham incluído seu nome na curadoria. A arte bolsonarista já existe, ela é um vírus comendo pelas beiradas o sistema cultural brasileiro (que não se confunde com a Caetanosfera, no entanto se confunde com a dialética alemã parece— ?). A gente vai ficar aqui brandindo que eles são fascistas, como se isso fosse resolver alguma coisa, quando nem é uma explicação suficientemente boa, a assombrosa suspeita de que seja algo pior. Como pior que o fascismo? E se for mesmo fascismo, e agora? A gente fica indignado, eles, que odeiam a gente (com sua razão), defendem Bolsonaro na sua luta anti-fascista, começando pela sua própria equipe, que ele não titubeia em punir e queimar, em público se convir. Não falamos a mesma língua. O que propaga o vírus são nossas tentativas de contenção e reversão, por isso a coisa só vai ficar mais aguda daqui pra frente.
"Então o que fazer? Não vai surgir “mudança” sem um movimento de “massas”, e tudo está muito desarticulado, ninguém consegue fazer nada, etcetc". O saldo do ano para a esquerda foi: Soltamos o Lula (a gente?), salvamos algumas pessoas, muitas morreram, realmente muitas morreram, lançamos discos, fizemos filmes, trabaiãmos, fizemos “luta”, vivemos e reproduzimos o fim do mundo.  Não tem saída, e justamente por isso temos que acessar os meios de produção do real. Se eu escrevendo aqui me pretendesse a apontar uma saída e uma saída que funciona-se, certamente tudo seria muito demagógico e cínico mesmo, e se houvesse tal saída não haveria necessidade para esse texto. Já li uma série de "textões" sobre o ocorrido até agora. A obra total de arte do Alvim, parece, segundo o trickster Alex Antunes, foi seu happenning no twitter mesmo, que levou seu rosto para matérias de inúmeros jornais -internacionais-, ele deve estar afinal de contas bem feliz com a exposição. A Folha hoje era só comparações pornográficas do constructo GoebbelsAlvim, uma colisão, uma coincidência (ele alega), Roberto Alvim, o ex-melhor amigo de Chico Buarque e Vladimir Safatle, agora é um nazista. Aqui nós poderíamos fazer um detour, mais um numa infinidade de hall e corredores dentro do Castelo Alto.
O Homem no Castelo Alto é um romance lançado por Phillip K. Dick em 1962, que poderia muito bem em si ser um objeto advindo de outra dimensão em um sentido bastante literal. O romance se passa em 1962 em um universo paralelo onde os nazista venceram a guerra, e os Estado Unidos é uma colônia tanto do Reich quanto do Império Japonês. Em 2015 a série foi adaptada para o streaming pela AmazonPrime, e foi concluída agora em 2019. Na série ainda estamos em 1962, o que é natural já que vivemos no tempo do pastiche, mas a justaposição do american way of life, em pleno desenvolvimento, a um hyper-nazismo, tem um significado completamente diferente em 1962 e agora. Parece ser um amplo consenso ou um lugar comum que vivemos numa distopia, pelo menos, este parece ser o tema do nosso tempo, acho que entretanto não se trata mais disso, pelo menos, não só. Estamos em algo muito mais malicioso. Tudo é retrô, O Terno é retrô, Bacurau é retrô, o filme do Tarantino é retrô (sendo que ele é o modo retrô por excelência, que foi ele mesmo processado e vampirizado ao ponto que agora é só normal, pelo menos os elementos que os tornaram conhecido). Isso é porque o presente já não existe, pra me valer do desgastado Mark Fisher (tem muita coisa na conta dele, está insalubre), mas no sentido preciso de que outras temporalidades desabam sobre essa, que está colapsando. O que aconteceu então é que o cínico(na medida que todos nós somos) e promissor Roberto Alvim progressista e artista prolífico, eixo organizador do teatro dos anos Lula-Dilma, trocou de lugar com seu duplo Roberto Alvim, cínico (na medida que todo mundo é na terra dele) prolífico ideólogo e dirigente da renovação cultural permanente num Brasil Integralista onde Vargas fechou um acordão com Hitler. Quer dizer, isso seria menos estanho que a realidade. Zizek comenta que seu desacordo com a séria HandMaid’s Tales é que faz parecer que vivemos numa democracia diferente do regime totalitário e religioso que assistimos na tela. Poderíamos dizer o mesmo quando a gente vê os nazistas nos subúrbios de Nova York com sua família nuclear ariana? "Abrimos um portal muito perigoso, maravilhoso, barra pesada." Claro, na serie de televisão fica claro o apelo a um patriotismo progressista das antigas, mas fica claro outra coisa... 



19/01/2020 OS PRÓXIMOS MIL ANOS
Ainda bem que a oposição é entre capital e trabalho vivo e não entre esses progressistas bunda-moles e os "nazistas", porque se fosse estaríamos fritos. Eu penso, assistindo o ex-Secretário Especial de Cultura, que o que precisamos em resposta é o nosso plano de 10 anos para a cultura nacional, por que não? Uma bobagem isso de cultura livre, a arte tem que ser violentamente disputada, mas de dentro do próprio terreno artístico (nessa perspectiva a censura é violenta apenas de uma maneira muito superficial, muito pouco violenta para nossos fins). Um plano de 10 anos para aniquilação de tudo que compreendemos como cultura brasileira até então, um plano de erosão do sistema cultural brasileiro a partir de seus cantos pouco iluminados, suas lacunas e valas comuns, uma degradação generalizada de tudo ao invés da imolação das "formas folclóricas regionais". Um plano de 10 anos onde transformamos toda a extensão do tecido cultural brasileiro, pulsante, como um campo de guerra — mas não a "guerra cultural" que já é em si uma derrota, não queremos a cultura, queremos os aparatos de produção da nossa experiência de história, e o campo cultural é só uma parte do tabuleiro, uma parte bastante importante. Precisamos de um plano de 10 anos que dê maliciosamente errado, imprevisivelmente errado, um plano que se escavarmos a contrapelo tudo que acontece a nosso redor vamos ver como já está em curso como uma potencialidade, que falha, e então falha de novo, falha pior, mas deixa pequenas erosões e vestígios e canais. Não penso mais que seja o tempo da distopia, vivemos escatologias propriamente, já acabou, é essa a real tônica do capitalismo de fim de mundo.

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